terça-feira, 28 de setembro de 2010

Era uma vez...

Quando te conheci mulher fiquei perro de tanta timidez. Tremia sempre que te sentavas na minha mesa e a conversa não fluía. Mas algo me impelia a lá voltar, a ver-te, pra tar contigo. E tu que eras sempre tão faladora agora mal abrias a boca, essa boca linda. Éramos nós que nascíamos, crescíamos, um para o outro. Foi louca de parva a nossa primeira noite. Mas tu quebras-te o gelo ao sair com um beijo de fugida. Só não dormi a pensar em ti, no calor de um beijo que quase não o foi, de tão rápido… E foram meses de momentos lindos. Nunca tinha falado tanto de tudo, assim, horas. Contigo não. Ficava feliz só de poder tar contigo, de olhar pra ti, de te poder tocar, de ter a tua na minha mão. E, sem dar por isso, esperava impacientemente o momento de tar contigo, de te abraçar e poder ficar a olhar pra ti, parvo, fazer-te carinhos. Sabes, que adorei quando, cheia de espuma, me molhas-te todo, rindo, feliz. E me «fizes-te» procurar-te, impaciente e só, pra te pedir para vires comigo. Adorei sair e jantar contigo, e ouvir chamarem-te de minha mulher. E, mais tarde, com olhinhos doces, disseste: -Hoje ainda não me beijas-te. Ai tive a certeza. Estão vivos em mim todos os momentos em que fizemos ou tivemos sempre um tão louco amor. Adoro as tuas mensagens ás tantas da manhã sabendo-me acordado, á espera. Andei louco de saudades nas tuas férias. Como ando agora. E só passou um dia, lento… É difícil lidar com a distância. Agora confirmo certezas que pensava não ter. Sempre se passaram alguns dias sem te ver mas não doíam. Sabia-te cá. Ontem saí de casa a chorar. Dormi na cama impregnada do teu cheiro, onde alguns dos teus cabelos descansam e me fazem companhia. Sabia gostar de ti mas não te sabia tão cá dentro. Usurpas-te um coração partido que pensava já morto. Agora passo em revista os momentos que tivemos juntos. E eu que pensava ter amado tanto! Descobris-te em mim ternura e carinho que nunca pensei ter pra dar. Eu nunca tinha tomado nas minhas mãos um rostinho como tive o teu, ou enfiado o nariz nuns cabelos na ânsia de reter um perfume. Nunca fiz um amor tão gostoso como contigo, entreguei-me totalmente, sem reservas ou vergonhas. Fizes-te um homem novo. Agora percebo a timidez, o nervoso, sempre que tava contigo. Hoje sinto-me nu. Miseravelmente exposto. Fujo e fecho-me. Sou um vazio que ficou. Assusta-me olhar horizontes onde não estou, onde apenas a sombra é real. Onde nada tenho e nada me move. Onde… Longe. Assim, aí, é mais fácil, dobra-se a esquina á vontade ou sentamo-nos naquele banco ou cadeira de esplanada. E, por vezes, é tão bom, levam-se os pés cansados do peso do corpo exausto até á areia da praia. E com as ondas que vão e vêem, embora nunca as mesmas, aquela imagem volta, aquele momento. O gesto simples que perfuma um sorriso, ás vezes lágrima… Saudades. E logo, a vida suga-nos, rotina castrante que, agrilhoando os sentidos, desperta o corpo para um torpor mecanizante que absorve. Aliena. E as ondas continuam… Até adormecer. E amanhã o sol, se vier, trará de novo outras cores, mais quentes ou frias, mas que farão os olhos brilhar, agradecidos por a mesma rua ser outra, na mesma, outro dia. Mais logo a sombra do meio-dia está só. Talvez um ou outro cão. Quem sabe?... Sufoco. Tão longe… Ás vezes penso (?) e é incrível a efectiva velocidade de interligação de situações, o arrumo lógico dos percursos… E a vida ao lado, onde me caio e levanto, onde nada faz sentido. Onde o olhar se turva nas cinzas deixadas pelo tempo. Nas ruas frias, onde nem a lua assoma, o silêncio mancha a noite calando as vozes e incitando á escrita que aqui corre. E aquela imagem volta, agora mais forte. Vem moldar um espaço a quente, abraçando um todo que é seu, a que dá brilho. E as ruas, soalheiras, enchem-se de risos, de gente pra cá e pra lá sem razão aparente, qual manada, pastando, errante. E o dia passa. A vida acontece. A cada momento lembrando que o rio corre sem parar, sem que a mesma água passe duas vezes debaixo da mesma ponte. Mas nem por isso o rio deixa de correr. Ou de se conter nas margens. Sem limites, nem no mar. Ai, apenas se liberta e dilui. Como nós… um no outro. E tudo perde sentido, ganhando os sentidos, imolando-se num altar de amor. E a noite cai. Caiu faz tempo. Que tem lá isso? Eu sou o que sou. Faço, ou não, o que quero. Se quero. E nada do que possa ou não fazer altera o que sinto. O que, no fundo, sou. Um olhar diferente. E foi então que o sol apareceu na telha de vidro. Já é dia. Foi aqui, neste lugar vazio a meu lado, que aconteces-te. Foi desse brilho envergonhado dos teus olhos, que ainda teimam em fugir dos meus, que de novo tudo faz sentido. Tenho agora uma certeza que foge quando sais e não sei quando te volto a ver, como agora. Amo-te, é certo, mas não sei se te tenho quando não tas comigo. És os momentos mais belos e intensos que já tive. És a brisa que me lambe o rosto, solta o cabelo e me devolve o sol, o calor… Mas não aguento ficar aqui sozinho, junto onde estives-te, á espera de uma palavra tua… À espera que não deixes de acontecer, de acontecer-me. Tenho saudades dos teus olhos, das tuas mãos, da tua boca, da tua pele fervendo, queimando a minha… Vejo-te. Linda, fresca, de tão longe… tenho agora uma lágrima tonta pendurada nas saudades. Mas não vai cair como as outras que molharam estas linhas de outros dias vazios. É tão bom amar. Amar-te… sentir-me pular quando me olhas, sentir. Sentir-me vivo. Agora perco os meus olhos nos teus, tristes, desta fotografia. E continuo a amar-te tanto. Nunca a solidão dói tanto como quando nos sabemos amados. O mundo não pára no momento mas só quando o olhar se cruza, fugindo… Quando as entranhas tocam a garganta e o nó trava os gestos, os sentidos e tudo pára ali, por um instante, numa vertigem eterna. Bonito é o momento. Não. São as cores. Algumas. Outras nem tanto. Pra outros, sim, valor terão por certo. Bonito é efémero. O bonito guarda-se na memória. Ou em fotos, quando o é. Ou por qualquer razão, até sem o ser. Bonito ou razão? Bonito, é. Sem dar por isso, como tu, que me devolves-te o sol. Hoje sinto a tua falta até no sol que se esconde, envergonhado, por trás das nuvens. Sinto-te sentada nos portados enquanto olho pra um filme que não sigo. Sinto-te aqui dentro a rebentar-me o peito de ansiedade. Deixaste-me imensamente só. Sinto-me um estranho na minha própria vida, da qual já nada sei. Apenas vagueio inconsciente ao passar das horas afogado neste vazio. Faço da noite dia e deste noite. Faço nada, absorto, enquanto o tempo passa, cadenciado, sem me esperar. Sem te trazer. E dou comigo na casa, vazia. De mim, de ti, de amor. Só as paredes frias sabem o quão triturante pode ser esta solidão que goteja, salgada, alimentando um rio que corre para ti, mar amor. Pode ser que amanhã, com o sol, venham sorrisos quando acordar e olhar para ti, flor. Amor és tu que o amor não tem distâncias. Perfume é o teu que perdura nos meus sentidos, flor selvagem, pura, simples, cujas pétalas guardo como um tesouro. Sabes porque fizeram tão pequena uma palavra tão grande? Pra ser mais fácil dizer amo-te. Amar é pintar a cores uma vida a preto e branco. É o brilho dos teus olhos chamando-me na escuridão. Amar és tu, infinita. Amar é digno de ti, desse corpo açucarado, desses olhitos de gazela assustada. Amar é trazer-te em cada poro da minha pele que anseia pela tua, em cada acordar. Amar são estas saudades, e a tua falta, mulher. É pedires-me que te acorde…