segunda-feira, 17 de agosto de 2009

TÁ FRIO HOJE!...

Sai de casa há pouco e agora, já na estrada, sinto o frio dobrar-me o corpo. A noite vazia é interrompida cadenciadamente pelos candeeiros que ultrapasso a passo rápido. Ao fundo, ao sair da curva, uns faróis trazem um carro lento que perco de vista quando entro no café quase vazio. O ar está quente, o clima agasalhado das noites frias e o ambiente é talhado pela voz da televisão que regurgita as últimas desgraças á hora de todos nós, para nos distrair da vida que levamos. Peço um café enquanto olho em volta pra contar os estragos da minha chegada. Nada mal, o povo está conformado, é mais um que entra ou sai. Olho no pacotinho de açúcar uma cena de fado. Como se não bastasse o meu… E rompo-o, deixando-o cair e vejo o açúcar pairar no creme até que o próprio peso o força a adoçar o negro suco nas voltas da colher. Bebo um gole, gostoso, acendo um indispensável cigarro e procuro com os olhos o jornal. Está ocupado. Desisto e termino o café. Pago e saio, entrando na noite agora ainda mais fria. Dobro a esquina e a rua parece mais longa, interminável. Devia ter voltado pelo mesmo caminho, é mais curto. O frio entra nos ossos gelando o sangue. Os passos são mais curtos e rápidos procurando fugir deste inferno que me tolhe os sentidos. Enfim, em casa. Procuro agora no lume o calor que me traz aconchego familiar ao corpo gelado. Enquanto olho as chamas perco os sentidos nas imagens que me chegam, em catadupa. E nisso as horas passam a ferro a noite que acaba de passar.

SAUDADES

Adivinharam a vossa falta em mim, hoje, ou a que vos faço agora? A amizade também traz saudades, não é? Sabe confortavelmente bem esta sensação boa, a de me comentarem… Assim não sou um qualquer mas sim um, dos quaisquer, que vos importa.
Hoje voltei aqui de novo para vos falar. De nada, tudo. É só deixar passar para a ponta dos dedos esta quietude sufocante que me atropela. E é com as linhas que ficam para trás que se abre de novo a janela deixando que o dia me dê a mão. É tarde para entrar e cedo para sair. E lavo, num duche demorado de água tépida, um corpo que foge tentando alcançar um lusco-fusco de horizontes balbuciantes de maduros, sem olhar para trás. Sem olhar. Já conheço esse caminho sinuoso de montes e vales luxuriantes que palpitam no calor gostoso dessa hora do dia/noite… Enquanto me limpo vejo no espelho o mesmo olhar no meu, bebendo do dia o brilho de alegria. Sorri. Sorri de novo, agora de ter antes sorrido. E nuns passos vi-me na rua outra vez, até agora, até já.

CÀ ESTAMOS

São 16:30 horas de um dia qualquer passados que são quase dois anos. O sol continua a chegar e a ir-se, indiferente. Os dias também, incansáveis. A sombra derrama-se preguiçosa nas pedras da calçada irregular, ainda quente. Vai levar algum tempo até que a pele dos pés, nus, possa pisá-la sem sobressaltos. Vou demorar mais do que o previsto. Como fui esquecer que a esta hora seria como fazer o caminho por Ele. Nem parece meu! ... E o sonho fica adiado por mais umas horas, ou menos. Sentado ali, sinto escorrer, agora daqui ora dali, inúmeras gotas de suor, enquanto o horizonte, na ponta da rua, treme, ardendo, sufocante. Há uma fronteira no tempo ou no espaço, ou no ar … Na água fresca que molha a garganta daquela gente que esparramada nas cadeiras da esplanada vem de longe á procura dos últimos resquícios do paraíso perdido. Ei!, olha ali o contraste naquela parede. Até parece que se percebe a frescura na sombra enquanto, ao lado, o branco se torna incandescente, lambido pelo sol. Fogo!. Como é que esta malta vive aqui uma vida inteira?! Talvez sem pressas. Sem toda essa urgência vertical de que te queres livrar vindo até cá… Prestes o sol vai para trás daquela empena e a vida, aos poucos, recomeçará.

Voltar

Foi ali. Embora tivesse demorado pouco foi o suficiente para que acontecesse. Foi ali, mesmo pela hora da calma. Bateu-me, assim, do pé para a mão, como se o mundo começasse ali, na sombra.
É de parvos olhar uma vida inteira e confiar nos espelhos, num mero reflexo que só de si é frio, vazio e que se esconde despudoradamente as incertezas que mostra.
Estás a ver? Daquela casa com baixo ocre, para cima, é a terceira porta. Sim, é a única sem janela. Faz agora uma data de anos que aqui não vinha, que sonhava… Voltei num ai, de certa forma, á poeira das ruas que Janeiro tornava lama, regatos de viagens simples em folhas mortas que terminavam abruptamente no sumidoiro do largo, onde acabavam todas. Olha, é nesta porta castanha. Dantes era de madeira, com duas folhas e postigos. Daqui abarcava o mundo. As horas, lentas, consumiam-se em sonhos e enervavam a espera. Sentia-se no ar uma impaciência que se cheirava na t-shirt ensopada de suor. Era a sesta. Dos outros, aqui em casa. Como era também na dos outros.
É estranho voltar… Lá é diferente, ou nem por isso.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A terra até nem é pequena… Mas nunca comparável àquela pra quem todos eles, á mesma hora, se voltam, em ladainhas enfadonhas e intermináveis. É um local onde se cruzam, sem qualquer pretexto, e a qualquer hora, crenças tais que, de tantas, me admiro como tão facilmente se entregam a uma, ou como de entre tantas conseguem escolher. Porquê tantas se Ele é uno e só um?!... As ruas, despidas de gente durante as horas da canícula, soçobram agora, pela fresca, de gente irrequieta, de olhos atirados pra cima, ora vendo agora as empenas caiadas, ora os beirados onde a água correu no inverno. Os indígenas, pouco acostumados a tanto barulho, encolhem os ombros e tentam vender segredos antigos por tuta e meia, a quem mais não lhes queira dar. Houve tempos, em tempos idos, que, como agora, até a sombra fazia diferença. Não por ser muita, ou pouca, mas por não ser já fresca, que o sol, sem vergonha, aquecia, até amornar, a própria alma. Não que o adivinhássemos ou tão pouco o soubéssemos, mas…