quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Após ALGO

É de manhã, quando abro os olhos, que sinto o vazio acentuar-se. Não ouço o teu respirar, que ainda há pouco me arrepiava, no meu ouvido, ofegante. Procuro o brilho dos teus olhos e apenas encontro uma cama vazia de ti, do teu amor. E puxo o corpo, feliz mas cansado, dorido das carícias incontáveis que me levaram ao delírio, na vertical, tentando não olhar para o lado, evitando as marcas de uma loucura alucinante que os lençóis retiveram e o teu perfume quente que ainda dança, envolvente, nos meus sentidos sempre que fecho os olhos. É com pena que o vou perder no duche frio que me trará de novo a esta realidade crua. Solidão Agora limpo-me devagar para que os teus vestígios se vão perdendo, sugados pelo turco da toalha que me envolve. Enfio as calças e penso nas tuas mãos macias, insinuosas. Agora a camisola, e passo a mão pelo cabelo tentando varrer essas doces lembranças do meu horizonte interior. E acabo na rua, onde o sol já tomou conta do dia faz tempo e nos empurra para as sombras, que ainda são pequenas para albergar esta imensidão que me invade. Passo a passo, vou deixando pendurado nas paredes o brilho desses olhitos negros, tão doces. E vou-me despindo assim de ti, deixando um pouco por todo o lado para que não me sinta só quando por lá voltar a passar. E fico «só». Sem pensar que esta distância se torna fictícia, irrelevante, inexistente. Porque não me sais da cabeça. Ocupas-te todo o meu horizonte sem o saberes. Basta para isso que feche os olhos e tenho de novo o teu cabelo a envolver-me as mãos, a escorregar pelo meu peito misturando-se com o meu, tornando-se apenas um, nosso. E é assim, e aqui, nestas magras e curtas linhas, que tento definir esta paixão que me consome. Lembrando um gesto, uma palavra, um olhar. Um amor que fazemos sem fronteiras e que nos deixa longe de tudo, de todos, mas tão perto um do outro. Tão perto que a tua pele quente, macia, me queima os sentidos. És como aquele comprimido que tomo para dormir mas que me dá insónias. Não que as não queira, já que assim não te esqueço e te tenho cada vez mais em mim. No entanto é esta distância que me atrofia. Que me aperta. Que me massacra. Saber de ti algures, ao sabor de um vento que não controlo… E fico aqui, caído, prostrado. Morrendo a cada segundo sempre que não faço parte dessa tua «outra» vida. Lembrando o teu rosto entre as minhas mãos trementes, a tua boca na minha, os meus braços que te envolvem e apertam, tentando segurar-te para não te sentir fugir por entre os dedos logo que a manhã nos bate á porta. É nesses momentos de doce quietude que te sinto mais minha, quando ficamos colados um ao outro, após. Quando o mundo deixa de existir para que sejamos um só. No reino dos diálogos roucos, imperceptíveis, carregados duma cumplicidade gostosa, onde só o suor fica entre nós. E ficamos atentos ao que cada um não diz com medo de quebrar a magia desses momentos. É quando a pele fica mais sensível, quando um sussurro nos faz estremecer e nos agarramos mais um ao outro, tentando assim prolongar no tempo esses momentos que sabemos breves, finitos. E lá longe, na rua, a vida começa de novo, ainda sem nós.

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